XVIII Encontro Nacional da ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comparada): Mundos Compartilhados.
- Edimara Ferreira Santos (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa)
Uma práxis decolonial passa pela construção de ecologias de saberes que desmantelem a lógica da monocultura de ser/pensar do ocidente e suas categorias binárias de classificação. Considerando que as ciências ocidentais foram / são utilizadas para construir e apoiar sistemas de exclusão e opressão, contribuindo para as emergências da contemporaneidade, como injustiça social e ambiental, genocídio de povos “minorizados”, epistemicídios de saberes insubmissos, crise climática, é urgente que nos voltemos para epistemologias plurais para frear o apocalipse disfarçado de progresso inventado pelo ocidente. É necessário rebelar-se contra a monocultura do saber e do rigor (SANTOS, 2007), para ver florescer e para semear sistemas de conhecimento tradicionais ancestrais. Nesse sentido, as literaturas, como ferramenta imaginativa e meio de construção de memória social e coletiva, têm um papel fundamental na reimaginação radical necessária para a construção de mundos possíveis. É claro que a literatura é um meio de autoexpressão, mas ela se torna mais do que isso quando produzida por populações marginalizadas pelo ocidente - como os Povos de Abya Yala, Povos de África e Afrodiaspóricos, por exemplo. Como nos ensina Joy Harjo (Muscogee, Turtle Island / USA) “[...] falar, custe o que custar, é tornar-se empoderada e não vitimizada pela destruição” (HARJO, 1997, tradução nossa). Na esteira dos conhecimentos do povo Wapichana, a palavra é magia e, em uma sociedade construída pelo discurso, ela tem poder de criar e desmantelar realidades. Ademais, os estudos mais recentes sobre a literatura têm nos levado a refletir sobre sua reescrita ao longo da história, em um processo de reimaginação radical do passado. Entendemos que literatura como belles lettres tem em sua origem colonial o silenciamento de literaturas “outras”, não-ocidentais. Partindo desta perspectiva, há movimentos contemporâneos de (re/des)construção de epistemologias não-ocidentais/desocidentadas no debate teórico literário, de de(s)colonização do cânone literário e da pluralidade de vozes, o que nos indica uma possível ruptura para com a tradição literária enquanto belles lettres, bem como aponta para a (re)existência de literaturas historicamente silenciadas e invisibilizadas. As literaturas plurais rompem com o papel colonizador das belles letters e apresentam-se como espaço de multiplicidade, criando espaços transfronteiriços decoloniais e (re)inscrevendo a pluralidade de expressões, confrontando diretamente o sistema-mundo patriarcal / capitalista / colonial / moderno. Nos interessa discutir neste Simpósio Temático, a partir da diversidade de expressões de escritoras, pesquisadoras, professoras e intelectuais do Sul Global, os movimentos de (re)formulação de entendimentos de literatura e crítica literária, podendo incluir análises dos movimentos históricos, sociais, políticos, culturais e geográficos de (r)existência pelas literaturas de tradição oral e tradição escrita, produzidas a partir de marcadores de gênero, raça, etnia, classe, sexualidade, identidades, (des)territorialidade, linguagem e posicionalidade. Através das discussões ocorridas no âmbito deste simpósio, objetivamos caminhar para a construção coletiva de epistemologias plurais que contribuam diretamente para a (re)escrita de futuros não-apocalípticos, não apenas dentro da academia, mas em nosso organismo-mundo, nossa casa-comum, Pachamama. Assim, nos voltamos para os estudos das Literaturas Indígenas, Afro-Brasileiras, dos Feminismos não-civilizatórios - como o comunitário e o camponês -, dos Futurismos Afro e Indígena, das Epistemologias do Sul e de Saberes Indisciplinados e Insubmissos. Também nos interessa dialogar sobre processos de apropriação e resignificação das línguas e saberes dos colonizadores na construção de artes e sistemas de conhecimentos revolucionários plurais. Nosso aporte teórico inclui Alvez (2011), Carvajal (2010, 2020), Evaristo (2020), Graúna (2013), Harjo (2021), Justice (2018), Kambeba (2020), Maracle (1996), Mignolo (2011), Quijano (2010), Santos (2007), Tuhiwai Smith (2012) e Vergès (2020,2021). Mais ainda, o Simpósio Temático se propõe a acolher pesquisadoras/pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, como Antropologia, Ciências Sociais, Educação, Geografia, História e Letras, para a construção de saberes comuns, que atravessam os limites das disciplinas. Essa pluralidade, diversidade e interdisciplinaridade de conhecimentos e afetos atravessam os nossos olhares e fazeres teóricos, epistêmicos e literários, no intuito de incentivar a continuarmos a debater sobre literaturas que chacoalham as margens da História oficial e do cânone literário ocidental. Acrescentamos que o chacoalhar da margem não objetiva transformar o ex-cêntrico no novo centro, mas em explodir / implodir a lógica colonial que estabeleceu centro e margens e as relações hierárquicas de sistemas de conhecimento e modos de viver / ser. É urgente que caminhemos em uma práxis decolonial, anticolonial, antirracista e anticapitalista para a produção de futuros ancestrais.
EIXO 6: RELAÇÕES INTERARTES, REDES VIRTUAIS, METAVERSOS
SIMPÓSIO: MONTEIRO LOBATO EM REDE: MEDALHÕES, MODERNOS, ANTIMODERNOS, MODERNISTAS
COORDENADORES:
- Patrícia Aparecida Beraldo Romano (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA)/Universidade de São Paulo (USP)
- Cilza Carla Bignotto (Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)
- Milena Ribeiro Martins (Universidade Federal do Paraná (UFPR)
RESUMO: O escritor e editor Monteiro Lobato (1882-1948) foi figura-chave na produção e circulação de obras literárias e artísticas, brasileiras e estrangeiras, sobretudo a partir de 1918, quando funda sua primeira editora, sob a chancela da prestigiada Revista do Brasil. No ano em que se comemoram os cem anos da Semana de Arte Moderna e se avalia criticamente o seu legado, parece fundamental examinar a obra lobatiana, as obras publicadas por ele — assim como as que ele recusou publicar —, as redes de escritores e leitores com quem interagiu, sobretudo por correspondência, e as redes de artistas, intelectuais, empresários, políticos e outros agentes sociais com quem manteve intenso contato naquela década e nas subsequentes. Como editor, Lobato publicou modernistas como Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida e Di Cavalcanti. Também editou escritores ligados a outros projetos de renovação literária e artística, como Lima Barreto, Alphonsus de Guimaraens, Hilário Tácito, Ribeiro Couto, entre outros. Escritoras feministas, como Ercília Nogueira Cobra, Rosalina Coelho Lisboa, Abel Juruá e Chrysanthème, dentre outras foram publicadas por Lobato, bem como escritores negros, tais como Gabriel Marques e Lima Barreto. Anita Malfatti, Di Cavalcanti e outros artistas renomados fizeram capas para livros publicados pelas editoras lobatianas. Lobato poderia ter editado livros de poesia de Manuel Bandeira, que chegou a ter obra anunciada em catálogo da editora, e de Mário de Andrade, a quem o editor encomendou o “Prefácio interessantíssimo”, de Pauliceia Desvairada. Ambos faziam parte da rede lobatiana de contatos. A recusa em editá-los talvez estivesse ancorada no projeto estético escolhido por Lobato como diretriz editorial para sua empresa. Na editora e em seus catálogos, conviviam os chamados “medalhões” — escritores como Coelho Neto, Medeiros e Albuquerque, Alfredo d'Escragnolle Taunay, Francisca Júlia —, os futuramente denominados modernistas e escritores que apresentavam projetos literários inovadores, embora não vinculados a vanguardas europeias. Havia, ainda, os que podemos classificar como antimodernos, conforme denominação de Antoine Compagnon (2011, p. 11): Quem são os antimodernos? […] Nem todos os campeões do status quo, os conservadores e reacionários até o último fio de cabelo, nem todos os atrabiliários e os frustrados com seu tempo, os imobilistas e os ultracistas, os resmungões e os ranzinzas, mas os modernos melindrados pelos Tempos Modernos, pelo modernismo ou pela modernidade, ou os modernos que o foram a contragosto, modernos atormentados ou modernos intempestivos. A convivência entre medalhões e modernos também ocorria na seção da editora dedicada a livros infantis. O próprio Lobato escreveu o primeiro título para crianças publicado por sua editora: A Menina do Narizinho Arrebitado (1920), inaugurando a série de aventuras transcorridas no Sítio do Picapau Amarelo, que transformaram radicalmente o cenário da literatura para crianças no país, por meio de recursos internos e externos aos textos. A linguagem das obras infantis e juvenis lobatianas apresenta forte diálogo com os preceitos do momento modernista, seja a partir do uso da coloquialidade, do humor e da criticidade ou dos jogos intertextuais. Em decorrência da experiência leitora e também da figura pública do escritor, muitas crianças-leitoras começaram a se corresponder com Lobato, relatando experiências de leitura, fazendo-lhe pedidos, correções e sugestões. Formava-se uma rede de contatos que Lobato manteria até o fim da vida. Como editor, porém, Lobato publicou livros infantis de autores menos inovadores, como Dolores Barreto, e clássicos infantis traduzidos, como As aventuras do Barão de Münchausen. Tendo em vista os aspectos acima apresentados e salientando nossa percepção da convivência de vários modernismos no cenário cultural brasileiro a partir dos anos 1920 (percepção formulada desde o projeto Monteiro Lobato e outros Modernismos brasileiros, coordenado por Marisa Lajolo), este simpósio convida pesquisadores a apresentarem trabalhos sobre: 1) Textos literários e não-literários de Monteiro Lobato, para adultos ou crianças; 2) Textos literários e não-literários de escritores que interagiram com Lobato ou fizeram parte dos campos intelectuais das décadas de 1920-1940; 3) Textos críticos referentes a obras de Lobato ou de escritores de sua rede; 4) Traduções de obras de Lobato, traduções publicadas ou realizadas por ele, traduções de autores participantes de suas redes; 5) Cartas, contratos, manuscritos, arquivos, acervos ligados a Lobato e/ou a escritores que interagiram com ele; 6) Músicas, pinturas, esculturas, fotografias, filmes e outras obras artísticas de Lobato e/ou de escritores que tiveram vínculo com ele; 7) As obras infantis de Lobato e suas relações com outras linguagens; 8) Monteiro Lobato como editor; 9) Escritores de literatura infantil anteriores e posteriores a Lobato e as interfaces de suas obras com a lobatiana. 10) Literatura e sociedade: elementos históricos, editoriais ou artísticos relevantes para a compreensão do contexto de Lobato; 11) Profissionais das letras dos anos 1920-1940 e suas relações com Lobato.
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EIXO 7: ESTÉTICA E POLÍTICA, LITERATURA E RESISTÊNCIA
SIMPÓSIO: LITERATURA E TESTEMUNHO: TEORIAS, LIMITES, EXEMPLOS
COORDENADORES:
- Wilberth Claython Ferreira Salgueiro (UFES / CNPq)
- Marcelo Paiva De Souza (UFPR / CNPQ)
- Marcelo Ferraz De Paula (UFG / CNPQ)
Contemporaneamente, a noção de testemunho vincula-se à chamada “literatura do Holocausto”, como a narrativa de Primo Levi e a poesia de Paul Celan, por exemplo, mas também à literatura eslava – polonesa e russa, em especial – sobre o Gulag, como as obras de Gustaw Herling-Grudzi?ski e Varlam Chalámov, entre outros. Na América Latina, destaca-se um amplo e variado conjunto de textos voltados à memória e à denúncia de fatos reveladores do viés autoritário, discriminatório e excludente de nossas sociedades, abrangendo desde Graciliano Ramos e Rigoberta Menchú a Ferréz, desde Miguel Barnet aos Racionais MC’s. A proposta do simpósio é estudar as relações entre literatura e testemunho, a partir de alguns traços e textos que caracterizam este “gênero”, como, por exemplo: registro em primeira pessoa; compromisso com a verdade e a lembrança; desejo de justiça; vontade de resistência; valor ético sobre o valor estético; representação de um evento coletivo; forte presença do trauma; vínculo estreito com a história; etc. A ideia é, portanto, “manter um conceito aberto da noção de testemunha: não só aquele que viveu um ‘martírio’ pode testemunhar” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 68), entendendo, assim, que “testemunha também seria aquele que não vai embora, que consegue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras levem adiante, como num revezamento, a história do outro” (GAGNEBIN, 2006, p. 57). Pensar o que há de testemunho na literatura significa, a um só tempo, pensar as intrincadíssimas teias entre verdade e ficção, entre ética e estética, entre história e forma. Percebe-se que a existência da “literatura de testemunho”, na sua salutar diversidade conceitual, promove um inevitável abalo na noção de cânone e de valor literário, além de alterar o quadro dos agentes ou produtores de literatura: textos e registros de presos, torturados, crianças de rua, favelados, empregados domésticos, prostitutas, sem-teto, povos tradicionais, enfim, todo um grupo “subalternizado” depõe e se expõe não só em nome próprio, mas também em nome de muitos. Nesse sentido, é preciso destacar que “o problema do valor do texto, da relevância da escrita, não se insere em um campo de autonomia da arte, mas é lançado no âmbito abrangente da discussão de direitos civis, em que a escrita é vista como enunciação posicionada em um campo social marcado por conflitos, em que a imagem da alteridade pode ser constantemente colocada em questão” (GINZBURG, 2012, p. 52). O Simpósio pretende reunir, em suma, pesquisadores interessados na problemática do testemunho e suas relações com o literário, apresentando [a] estudos teóricos que discutam os limites e as confluências entre estes discursos (o literário, tradicionalmente ligado à estética; e o testemunho, produzido a partir de um propósito primordialmente ético) e mormente [b] estudos que analisem obras específicas que exemplifiquem ou provoquem tais relações – quer obras já consagradas nesta perspectiva do testemunho, quer obras menos conhecidas ou mesmo não analisadas à luz do paradigma testemunhal. No XII Congresso Internacional da Abralic, ocorrido em 2011, em Curitiba, este Simpósio teve a sua primeira edição. Desde então mantém sua regularidade nos congressos da Abralic: teve a sua segunda edição em 2013, em Campina Grande; a terceira em 2015, em Belém; a quarta em 2017, no Rio de Janeiro; a quinta em Uberlândia, em 2018; a sexta em Brasília, em 2019; a sétima e a oitava edições em versão online nos anos 2020 e 2021. Nestes encontros, além de questões eminentemente teóricas, o debate envolveu nomes como Alan Pauls, Aleksander Henryk Laks & Tova Sender, Alex Polari, Ana Maria Gonçalves, Art Spiegelman, Bernardo Élis, Bernardo Kucinski, Boris Schnaiderman, Cacaso, Caio Fernando Abreu, Carlo Levi, Carlos Drummond de Andrade, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Chico Buarque, Czes?aw Mi?osz, Davi Kopenawa & Bruce Albert, Eduardo Galeano, Eliane Potiguara, Elie Wiesel, Elisa Lucinda, Ferréz, Franz Kafka, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, João Antônio, Kaka Werá Jecupé, Lara de Lemos, Lídia Tchukóvskaia, Lima Barreto, Luis Fernando Verissimo, Luiz Alberto Mendes, Manuel Alegre, Mario Benedetti, Miron Bia?oszewski, Noemi Jaffe, Paulo Ferraz, Paulo Leminski, Paulo Lins, Pedro Tierra, Pierre Seel, Primo Levi, Racionais MC’s, Reinaldo Arenas, Renato Tapajós, Ricardo Aleixo, Ricardo Piglia, Roberto Bolaño, Ruth Klüger, Sérgio Sampaio, Sérgio Vaz, Stefan Otwinowski, Svetlana Aleksiévitch, Tadeus Ró?ewicz, Ungulani Ba Ka, W?adys?aw Szlengel e W. G. Sebald. Nessa 9ª. edição do Simpósio, a ideia é estender o debate, seja em relação a estes nomes, como, naturalmente, incorporar outros autores e textos em que o problema da literatura e do testemunho se deixe perquirir. REFERÊNCIAS: GAGNEBIN, Jeanne Marie. Memória, história, testemunho. Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006, p. 49-57. GINZBURG, Jaime. Linguagem e trauma na escrita do testemunho. Crítica em tempos de violência. São Paulo: Edusp, Fapesp, 2012, p. 52. SELIGMANN-SILVA, Márcio. Apresentação da questão. História, memória, literatura: o testemunho na era das catástrofes. Org.: Márcio Seligmann-Silva. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. p. 59-88.
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SIMPÓSIO: NORTE/AMAZÔNIA NA GEOGRAFIA MUNDIAL DA BARBÁRIE: LITERATURA SOBRE A RESISTÊNCIA E O TESTEMUNHO NA REGIÃO
COORDENADORES:
- Abilio Pachêco de Souza (UNIFESSPA)
- Ladyana dos Santos Lobato (UFPA)
- Luiza Helena Oliveira da Silva (UFNT)
Este simpósio propõe reunir trabalhos que versam sobre a produção literária de cunho testemunhal e/ou ficcional relativa à ditadura na região Norte do país. Parte do pressuposto de que os regimes de exceção (autoritários e totalitários) que lançam suas bases nos centros de poder político não deixam de estender seus tentáculos nos mais variados espaços fora de centro, periféricos, marginais, urbanos ou não. Esses espaços, cujas luzes do interesse público, cujo foco de atenção da imprensa e cuja atenção por parte dos historiadores é minguada, costumam sofrer primeiro sob o coturno, depois sob o insulamento, o desconhecimento e o silenciamento. Na mesma direção, a produção literária também parece privilegiar acontecimentos do centro. Isso pode se dar por razões que ainda envolvem a própria condição dos sujeitos da periferia longe do status de autores de suas narrativas de luta e resistência, ou ainda por efeito da intimidação e cerceamento, na medida em que atores vinculados a regimes ditatoriais continuam atuando na região, em alguns casos inclusive com papel político de destaque, como se dá, no caso da Guerrilha do Araguaia, com relação ao Major Curió. Aqueles e aquelas que resistem e testemunham o fazem a partir desta dupla condição. Há ainda o prestígio conferido de modo desigual a autores situados em diferentes pontos do território e as dificuldades de divulgação de produções literárias de autores periféricos. Apesar disso, encontram-se trabalhos que se valem do testemunho, que pretendemos aqui privilegiar. O momento é ocluso e a guerra que vem depois (PEIXOTO, 2014) parece nunca acabar para quem a vive/u e parece nunca ter existido para quem está alhures. O testemunho é necessário como tarefa de memória para lermos também estes espaços como integrantes de uma "geografia mundial da barbárie" (DE MARCO, 2002), considerando, inclusive, as especificidades dessas regiões, como afirmou Paulo Fonteles Filho (Paulinho) sobre o papel da Comissão da Verdade do Pará no contexto da Comissão Nacional da Verdade e das demais Comissões Estaduais (2014). Os problemas da região também se baseiam no obscurantismo, na impunidade, nos crimes de pistolagem, no trabalho escravo e nos processos de silenciamento/s. A região Norte/Amazônia Brasileira foi palco e cenário dos mais diversos episódios de violência (institucional, física e simbólica) desde a colonização, passando pelo Império e pela República, bem como no século dos extremos, como assim chamou Hobsbawm. Os tentáculos violentos do poder político continuam presentes na região Norte/Amazônia. Seja por conta de um passado que não passa, seja por conta dos mais variados processos de silenciamento (talvez por isso, os principais textos narrativos sobre a Guerrilha do Araguaia foram escritos por pessoas residentes em outras regiões do país.). Nesta região, tal como em muitos outras partes do Brasil, assistimos a perseguição, tortura e morte de opositores, violência contra povos tradicionais, emprego da força e outros expedientes contra colonos, campesinos e militantes. Apesar do desequilíbrio de forças houve também luta e resistência. Nesse sentido, destacam-se movimentos organizados contra o regime, como as “Forças Guerrilheiras do Araguaia” (FONTELES FILHO, 2013) e as comunidades quilombolas em Oriximiná (AZEVEDO; CASTRO, 1998), além de outros “processos de resistência na Amazônia” apontados por Sacramento (2015) durante o período da ditadura. Além disso, sucederam-se também grupos, associações e comissões nos anos seguintes. Nas artes em geral, e na literatura em particular, muitas foram as vozes de homens e mulheres que se colocaram contra o estado de coisas, colocando em risco a própria segurança pessoal e suas integridades física e moral. Na poesia, Thiago de Mello (AM), Paes Loureiro e Paranatinga Barata (PA) e Ferreira Gullar (MA); na prosa, Benedicto Monteiro e Eneida de Moraes, são alguns dos nomes proeminentes deste que tiveram também algum reconhecimento nacional. Somam-se a estes outras vozes contemporâneas que integram a resistência estética e ideológica seja na luta pela memória política dos estados de exceção: Alfredo Garcia, Ana Diniz, Janailson Macedo, Liniane Haag Brum, Pedro Tierra, Wanda Monteiro; seja por pautas emancipatórias e afirmativas: Márcia Kambeba, Monique Malcher, Eleazar Venâncio Carrias, Marcos Samuel da Costa, para citarmos apenas alguns. Há ainda o caso de Milton Hatoum (AM), cuja narrativa em trilogia de publicação recente - ainda sem o último volume - a trata da ditadura no eixo Brasília-São Paulo-Paris. Frente a todas as questões acima, este simpósio acolherá trabalhos cujo corpus sejam obras literárias ou artísticas de resistência e/ou de teor testemunhal criadas por autores e autoras da região ou mesmo produções estéticas de autores de outras regiões cujo enfoque seja a região Norte/Amazônia, compreendendo como tal o que se designa como Amazônia Legal.
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